Baú de Ossos de Pedro Nava
Baú de Ossos de Pedro Nava

Baú de Ossos de Pedro Nava

Baú de Ossos é o primeiro volume das Memórias do médico brasileiro Pedro Nava (1903-1984), publicado pela primeira vez em 1972.

Li esse livro por ser de um autor mineiro. Estava à procura de algo que pudesse preencher meu imaginário histórico e cultural no tocante ao meu lar geográfico. Comecei sem saber o que esperar. Apesar que já tivesse muita simpatia pelo gênero literário memorialista, isso por considera-lo o mais completo em relação à possibilidades de narrativa – explico daqui a pouco o que quero dizer.

O primeiro impacto foi com a linguagem, tão brasileira, tão nossa em toda a sua beleza e malícia, que me aproximei imediatamente daquilo que estava sendo contado – o cotidiano brasileiro de famílias do século XIX e XX. Uma identificação coletiva.

Nava dividiu corajosamente as mais de 500 páginas em quatro capítulos ou partes. O que enquanto estava lendo, achava mesmo corajoso, mas agora que terminei acho genial – Setentrião, Caminho Novo, Paraíbuna e Rio Comprido. O primeiro é dedicado à família paterna, o segundo, à materna, e o terceiro e quarto à sua infância. O Baú se abre: “eu sou um pobre homem do Caminho Novo das Minas dos Matos Gerais”. Fugindo a regra da maioria dos livros que li, a de fisgar o leitor nas primeiras linhas ou parágrafos, ele não parece se preocupar com isso. Simplesmente começa a lembrar da casa onde nasceu, em Juiz de Fora, e parte num esforço de recobrar não só a sua, mas as memórias daqueles que haviam partido há muito tempo.

A narrativa foi desafiadora, uma montanha-russa em que as descidas eram recompensadas pelas subidas, e imprevisível também. Em uma página era possível rir alto e na outra ter os cantos dos olhos úmidos. A constante mudança se dava não só no ritmo e atmosfera, mas na variação de recursos narrativos, e aqui está o que quero dizer por “gênero completo”. Memórias é o nicho da literatura que quase a abarca inteira. Nesse Baú de Nava continha relatos, confissões, conspirações, romances, descrições, o cotidiano, a fantasia, reflexões – políticas, éticas, étnicas, médicas, religiosas… — ação, drama, comédia, suspense e até terror.

A construção de “personagens reais” também precisa ser destacada. Com raras exceções (das citações do folclore), todas as pessoas citadas por Nava tinham certidão de nascimento, pois, não era esperado que ele iria criar um parente fictício. Ainda assim, ele desempenhou um papel de criador enquanto falava de uma personalidade, mau-humor, mania… a partir de um retrato ou carta ou objeto que pertencia ao tio, tia, prima, cunhado, avó, tataravô… Ele apelou para a imaginação sem tentar esconder isso, e de uma forma que o leitor não consegue separar o real da fantasia.

Sobre Minas Gerais – a minha busca inicial como já dito – se eu começasse a relatar minhas deslumbrantes descobertas, esse seria o post mais longo da história desse blog – vou poupá-los. Contudo, deixo a fagulha de que agora sei de uma história das Minas dos Matos Gerais, muito diferente daquela friamente aprendida na escola.

Baú de Ossos é rico em conteúdo cultural e histórico, não só de Minas Gerais e Rio de Janeiro – os estados reverenciados por Pedro Nava -, mas do Brasil, porque a descrição de lugares e fatos, bem como, a de pessoas, famílias inteiras; são um verdadeiro retrato brasileiro. Não tem como ler o livro e não repetir mentalmente pelo menos uma vez: “Isso é o Brasil, esse é o brasileiro” (a não ser é claro, que o leitor seja um estrangeiro). Ainda nessa questão, fiquei impressionada com os relatos detalhados da escravidão. Posso dizer que a minha visão a respeito da escravidão dos negros no Brasil mudou totalmente, bem como da luta dos raros abolicionistas.

Outra coisa que não vou ousar em comentar é o significado do título, pois, este só é revelado perto do final do livro. Adianto apenas que, é um título carregado de melancolia e vinculado ao grande tema da obra, se é que podemos destacar um em meio a tantos: a morte – A morte parece ter sido a grande obsessão desse médico e escritor.

Concluindo, foi uma experiência de leitura marcante, me peguei em vários momentos, involuntariamente, abrindo gavetas antigas da minha própria memória. Pensei muito na história dos meus avós paternos e maternos que só conheço fragmentos. Der repente deu vontade de reconstruir todo o passado, mas reconheço que é uma tarefa para poucos. Nava conseguiu.

Pedro da Silva Nava nasceu em 5 de junho de 1903 na cidade mineira de Juiz de Fora. Foi médico durante toda a sua vida, atuante inclusive nos setores de saúde pública de Belo Horizonte. Começou escrever aos 65 anos de idade e não parou mais. Sua obra de memórias é composta por 7 volumes, sendo último inacabado e publicado postumamente. Cometeu suicídio no ano de 1984 em uma praça pública no Rio de Janeiro. Ainda hoje é considerado o maior memorialista da literatura brasileira, ganhador do prêmio Jabuti em 1974 e 1983.

Livro: Baú de Ossos, 1972
Autor: Pedro Nava
Companhia das Letras, 2012
Páginas: 520
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★★★★☆

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