Literatura, Teologia e Devoção, a Mulher Cristã e Outros Assuntos - Por Kelly Oliveira Barbosa
C.S.Lewis
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O Laço Secreto

Por C.S.Lewis:

ACHO que há épocas na vida em que podemos até não desejar o céu; mas muitas vezes me pergunto, admirado, se lá no fundo de nosso coração já desejamos algo diferente disso. Você já deve ter notado que os seus livros prediletos estão ligados uns aos outros por um laço secreto. Você sabe muito bem qual é essa qualidade comum que faz com que você os ame, embora não consiga expressá-la em palavras; mas a maioria dos seus amigos não consegue enxergar esse laço e geralmente se pergunta por que, quando você gosta disso, tem de gostar daquilo também. Voltando ao exemplo: você está parado diante de uma paisagem que parece incorporar o que você passou a vida toda procurando. Então você se volta para o amigo ao seu lado que parece estar vendo o que você viu. Acontece que já nas primeiras palavras um abismo se abre entre vocês. E então você se dá conta de que essa paisagem tem um significado totalmente diferente para ele; você percebe que ele defende uma visão alienada e que nem liga para o que você foi levado a ver. Mesmo no que diz respeito aos seus hobbies, já não houve uma atração secreta que os outros estranhassem ou nem conhecessem? Algo que não pode ser revelado, mas que está sempre na eminência de ser exposto, como o cheiro de madeira cortada dentro da oficina ou as batidas da água na lateral do barco?

LEWIS, C.S. Um ano com C.S.Lewis, Editora Ultimato, 2005, pg 131 (Leitura diária 21 de abril, da Obra O problema do Sofrimento)

Só um pouquinho de mim, por favor!

Por C.S.Lewis:

DEUS não exige muito do nosso tempo, nem da nossa atenção. Ele não exige nem todo o nosso tempo nem toda a nossa atenção; é a nós mesmos que ele quer. Valem para nós as palavras de João Batista: “Importa que ele cresça e que eu diminua”. Deus será infinitamente misericordioso em relação às nossas repetidas falhas; mas não conheço nenhuma promessa de que ele aceitará uma negociação deliberada. Em última instância, ele não tem nada a nos oferecer a não ser a si mesmo; e Deus só pode nos dar isso na medida em que a nossa vontade autossuficiente se retrai, abrindo espaço para ele em nossa alma. Não tenhamos dúvida em relação a isso. Não restará nada “de nós mesmos” para vivermos, nenhuma vidinha “normal”. Não quero dizer que todos nós vamos necessariamente ser chamados para sermos mártires ou ascetas. Se acontecer, que aconteça. Para alguns (não sabemos quem), a vida cristã incluirá muito lazer e muitas ocupações naturalmente prazerosas. E isso será recebido diretamente das mãos de Deus. Para um cristão perfeito isto seria tão próprio de sua religião, do seu “serviço”, como as tarefas mais difíceis, e seus banquetes seriam tão cristãos quanto seus jejuns. O que não podemos admitir de forma alguma – e que deve existir somente como um inimigo não derrotado, mas ao qual se resiste diariamente – é a ideia de que tenhamos algo “só nosso” a conservar; alguma área de nossa vida que esteja fora da jogada e sobre a qual Deus não tenha nada a reivindicar. Deus exige tudo de nós, porque ele é amor e é próprio dele nos abençoar. No entanto, ele não pode nos abençoar enquanto não nos possuir por completo. Sempre que tentarmos reservar uma área de nossa vida como propriedade particular, estaremos reservando uma área onde impera a morte. Por isso é que ele exige, com todo amor, que nos entreguemos por inteiro. Sem chance de barganha.

LEWIS, C.S. Um ano com C.S.Lewis. Editora Ultimato, 2005, p. 46 (Leitura diária 02 de fevereiro, Peso de Glória)

Perdão versus desculpas

Por C.S.Lewis:

TENHO a impressão de que quando acho que estou pedindo que Deus me perdoe estou muitas vezes (a menos que eu cuide bastante) pedindo que ele faça algo muito diferente. Não estou pedindo que me perdoe, mas que me desculpe. Porém, existe uma enorme diferença entre perdoar e desculpar. Perdoar significa dizer: “Sim, é verdade que você cometeu tal coisa, mas eu aceito o seu pedido de perdão. Eu jamais o cobrarei de você, e tudo entre nós continuará sendo exatamente como antes”. Porém, quando desculpamos alguém, estamos dizendo: “Vejo que você não teve como evitá-lo ou não quis fazer isso, e não foi realmente culpa sua”. Se não houve culpa real, não há nada a desculpar. Nesse sentido, a desculpa e o perdão são quase opostos. É claro que, em dezenas de casos, seja entre Deus e o homem, seja entre uma pessoa e outra, as coisas muitas vezes se sobrepõem. Parte do que parecia ser pecado à primeira vista, revela-se como não sendo culpa de ninguém e é desculpado; o restinho que sobra é perdoado. […] Contudo, o que muitas vezes chamamos de “pedir perdão a Deus” não passa, na verdade, de pedir que ele aceite nossas desculpas. O que nos induz a esse erro é o fato de que normalmente existe certo arsenal de desculpas, ou seja, de “circunstâncias”. Ficamos tão ansiosos em apresentá-las diante de Deus (e de nós mesmos) que somos capazes de esquecer a coisa mais importante, isto é, o que restou: o montante que as desculpas não são capazes de cobrir, o restinho que é indesculpável, mas, graças a Deus, não imperdoável. Quando nos esquecemos disso, vamos embora achando que nos arrependemos e fomos perdoados, quando, na verdade, tudo o que fizemos foi dar satisfações a nós mesmos com as nossas próprias desculpas. É possível até que sejam desculpas esfarrapadas; ficamos facilmente satisfeitos com nós mesmos.

LEWIS. C.S. Um ano com C.S.Lewis, Editora Ultimato, 2005, página 271 (Leitura diária 29 de Agosto, “O peso da Glória”)