Rute Sob As Asas do Eterno de Assad Bechara
Rute Sob As Asas do Eterno de Assad Bechara

Rute Sob As Asas do Eterno de Assad Bechara

“Jamais passou pela cabeça de Orfa, no dia em que virou as costas para Belém, o venturoso destino da concunhada.”

Rute Sob As Asas do Eterno é o terceiro livro de uma coleção sobre mulheres da Bíblia do autor Assad Bechara. O segundo que leio.

A escrita, o estilo marcante do autor, com certeza é o ponto alto tanto nesse como em Hagar A pérola do Deserto. Como observa Edley Matos no prefácio, o texto flui na maioria das vezes sem as aspas, os itálicos, os negritos etc. Não há travessões nas passagens da voz do narrador para o discurso direto, que é a voz do outro, e nunca confundimos a pessoa do discurso. É interessante como ele utiliza frases curtas para enfatizar determinadas ideias. E a intensidade que o texto ganha por não ser linear, pelas várias voltas do autor na mesma cena. O resultado é essa narrativa incrível que desperta emoções no leitor e isso considerando o foco em histórias bíblicas tão conhecidas, que possivelmente já fazem parte do imaginário de muitos leitores.

A proposta de Bechara nesses dois livros que li da coletânea e que me parece ser em toda ela, é fazer uma análise comportamental das personagens bíblicas. Em poucas palavras, ele une temas espirituais com a literatura. Seus livros não são ficcionais, mas carregam toda a beleza e emoção de bons romances.

Outra característica que me chama muito a atenção no autor é a sua capacidade de escrever sobre a natureza feminina. De descrever o comportamento feminino, o movimento do lado de fora e do lado de dentro. Em Rute Sob As Asas do Eterno ele conseguiu traçar os três perfis bíblicos: Noemi, Orfa e Rute, com uma beleza, uma riqueza de detalhes e reflexões que com certeza permanecerão comigo por muito tempo.

[Como o livro em questão é uma análise de outro, no caso do livro bíblico de Rute, é recomendável que você o tenha lido antes de continuar 😉 ]

Noemi

A história do livro de Rute acontece nos dias tenebrosos e sangrentos dos juízes de Israel, quando: “Israel não tinha rei; cada um fazia o que parecia certo a seus próprios olhos.” (Juízes 21:25 NVT). A princípio Rute não parece ser a protagonista, o foco está sob Noemi e a tragédia em sua família. Elimeleque, marido de Noemi, tomou sua esposa e seus dois filhos Malom e Quiliom e migrou para Moabe. Deixou Belém, a casa do pão, que à época não tinha pão algum, e saiu à procura de melhores condições de vida. Passado um tempo, Malom e Quilion, se casaram com mulheres moabitas: Orfa e Rute. Alguns anos depois morreram os três homens da casa.

Noemi é a viúva de Elimeleque. Ela é a mãe dos dois rapazes que também morreram. É sogra das noras viúvas. É ela que toma a iniciativa de voltar para Belém. Bechara ressalta que em um relance, ficamos com impressão de que Noemi é a figura principal dessa narrativa. Mas, o que vemos em Noemi é uma pessoa entristecida, opressa e carente de afeto. Quando então surge Rute como um lampejo que iluminou os momentos mais escuros de sua sogra.

Aqui e lá, indo e voltando nas falas e nos silêncios de Noemi, Bechara nos leva a perceber quão frágil essa mulher estava em seu luto. Acompanhamos essa que já perderá o vigor da juventude e ao que tudo indicava, a esperança da própria vida, ser amparada o tempo todo não por Rute, mas pelo Deus que tudo pode e que tem todo o controle em suas mãos.

No capítulo “Amenidades Poéticas”, o autor comenta sobre a sabedoria, a sagacidade de Noemi (mulher experiente e vivida), que soube ler as entrelinhas dos acontecimentos e agir aconselhando a nora com as palavras certas na hora certa – “Disse-lhe Noemi, sua sogra: Minha filha, não hei de eu buscar-te um lar, para que sejas feliz?”

Orfa

Como em Hagar, Assad Bechara cita algumas vezes o Alcorão e textos judaicos, trazendo assim algumas curiosidades muito interessantes. Sobre Orfa ele conta o que segundo as tradições rabínicas lhe aconteceu após ela ter virado as costas para Belém (para quem gosta de extras é imperdível). O que para saber você vai ter que ler o livro rss. Cito apenas o comentário do autor sobre o momento em que ela decide ficar em Moabe: “A decisão de Orfa representa os mergulhos num abismo sem fundo. Não teve mais futuro, nem biografia, nem genealogia. Ruiu tudo. Restou apenas o nome, que se perdeu na linha do tempo.”

Rute

Rute, Rute… Será ela a personalização da mulher de provérbios 31? Muitos dizem que sim. A análise de Bechara sobre seu comportamento é in-crí-vel!

Para citar dois momentos de sua narrativa:

1 – Sobre a tão conhecida e maravilhosa declaração de Rute para Noemi, ele comenta o seguinte: “Não era uma decisão com prazo de validade, se der certo, se tudo correr bem, ou do tipo vamos fazer uma tentativa, caso não der certo, volto, sem problema. Essa era uma decisão final e irrevogável.” Destacando sua coragem: “Se não fosse corajosa, nem sairia de Moabe. Nunca deixaria o que era familiar pelo desconhecido” “Em Moabe, o nome dela era Rute, e em Belém de Judá assinava como a Moabita.”

2 – Sobre Rute na eira: “Por dentro, vestiu-se de coragem e seu porte assumiu determinação definitiva.” “O plano de Noemi talvez tenha introduzido nessa linda história elementos de perigo. Ela foi corajosa o suficiente para assumir o risco, mas com certeza foi guardada pelo Glorioso Vigilante, porque tudo poderia acontecer em um esquema controvertido quanto esse. Segundo o relato, a menina foi aconselhada a se produzir vestindo a melhor roupa e perfumar-se. O que estaria pensando Noemi?”

Poderia comentar um pouco sobre a análise do autor sobre Boaz, mas não vou me alongar mais. Só digo que é igualmente interessante.

No que discordo…

Já finalizando, é importante dizer que Assad Bechara é um pastor adventista atualmente aposentado. Há vários pontos nos seus livros Hagar e Rute que discordo de sua teologia. Especialmente no que diz respeito ao seu entendimento da Providência Divina e Arbítrio Humano. O que não me impede de reconhecer o amplo conhecimento do mesmo, e riqueza desses livros que considero verdadeiros achados de 2020.

Assad Bechara nasceu em 1933 na cidade de Pirajuí, São Paulo. É formado em Teologia, Jornalismo, Relações Públicas, Publicidade e Propaganda, Mestrado em Comunicação e Doutorado na Área de Comunicação pela Universidade Andrews, Michigan. É também um pastor adventista atualmente aposentado, mas que foi muito ativo dentro dessa instituição. Seus últimos anos de trabalho foram dedicados aos povos árabes e islâmicos da cidade de São Paulo, onde fundou a Casa de Oração da Comunidade Árabe Aberta. Autor de dezenas de livros, em 2012 foi indicado para ocupar uma cadeira vitalícia da Academia de Letras no Brasil.

Rute Sob As Asas do Eterno
Autor: Assad Bechara
Editora: Grafsol, 2013
Páginas: 180
Amazon, Estante Virtual
★★★☆☆


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5 comentários

  1. Nunca ouvi falar do autor, nas passagens de personagens bíblicas ou históricas há sempre introdução de elementos que são a visão do escritor, mais ainda se ele tiver uma ideia, teológica ou outra a transmitir.
    Ao nível de personagens bíblicas, ando a adquirir os quatro volumes de José e seus irmãos, de Thomas Mann, mas como anda a ser editados ao ritmo de 1 por ano ainda só saíram 2 volumes.
    O livro que hoje ou amanhã falarei no blogue também são personagens reais com retratos dados pela autora, mas nada de religioso.

    1. Ana Margarida

      Tenho que te agradecer!
      Não conheço o autor, mas só o facto de saber que ele investe em explanar o comportamento das personagens captou a minha atenção. Especialmente por ver que menciona o luto.
      Excelente resenha, deixaste-me com “a pulga atrás da orelha” hehe

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