A Morte da Inocência: A Colcha de Retalhos de Monteiro Lobato
A Morte da Inocência: A Colcha de Retalhos de Monteiro Lobato

A Morte da Inocência: A Colcha de Retalhos de Monteiro Lobato

O acanhamento de uma menina moça só pode ser algo bom se for por virtude. Se a timidez, o encolhimento, tão característico na flor da idade, for por ignorância, por estreiteza de alma, não é um bom sinal.

Lendo o livro de contos “Urupês” do Monteiro Lobato, me dei conta que em todos os contos alguém morria tragicamente. Em A Colcha de Retalhos, porém, essa não é a tragédia. Falo de morte, de assassinato, de acidente…

O conto nos apresenta uma família de interior cuja o seu chefe ao perder sua condição financeira se isola em sua propriedade. Não colocando os pés na cidade para nada.

O casal tem uma única filha que na cidade só foi para ser batizada. “Uma menina acanhada”, nos revela o narrador em primeira pessoa. Menina muito amada pela família que nela coloca seu orgulho, seu consolo das amarguras, seu tecido de futuro – sem nela tecer nada.

Pois eis ai a tragédia. Pingo d´Agua, a menina, que não aprendeu ler e escrever, sem arredar os pés do ninho, afastada de tudo e de todos, também não aprendeu nada sobre a vida. Aprendeu sobre a roça, mas repito, não sobre a vida. Completando os seus quinze anos e indo pela primeira vez numa festa de vizinhos, toda bonitinha num vestidinho, perdeu a vazia cabeça. Não demorou muito fugiu atrás de um sonho de amor para cidade – “não para casar e nem para enterrar” – e lá ficou fugida e perdida.

Pingo d´Agua, é uma Clara dos Anjos do Lima Barreto, companheiro de Pré-Modernismo do Monteiro Lobato. Ela também é a mocinha italiana pobre do primeiro romance da autora Natalia Ginzburg[1]. E a verdade é que há muitas no mundo. O diagnóstico é esse: “Clara, por seu lado, cai facilmente nas malhas do sedutor também por causa da educação que recebera de seus pais. Superprotegida pela mãe, não conhecia os perigos da vida: (…) reclusa, sem convivência, sem relações, a filha não podia adquirir uma pequena experiência da vida e notícia das abjeções de que está cheia, como também a sua pequenina alma de mulher, por demais comprimida, havia de se extravasar em sonhos, em sonhos de amor, de um amor extrarreal, com estranhas reações físicas e psíquicas.”[2]

[1] O caminho que leva à cidade, de Natalia Ginzburg (1916-1991).
[2] LIMA BARRETO, Clara dos Anjos, 1948.

A Colcha de Retalhos, 1915
Autor: Monteiro Lobato
Editora: Brasiliense, 1971
Páginas: 15
Amazon, Méliuz
★★★★★


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