“Alguém devia ter caluniado Josef. K., pois, sem que tivesse feito mal algum, ele foi detido certa manhã.”

Franz Kafka (1883-1924) nasceu em Praga – até então pertencente ao Império Austro-Húngaro – em uma família judaica de classe média. Sua infância e adolescência foram marcadas pela figura dominadora do pai, comerciante próspero, que sempre fez do sucesso material a sua tábua de valores. Na juventude, formou-se em direito e trabalhou em uma companhia de seguros. Começou a escrever contos no seu tempo livre, em alemão, já que considerava essa sua língua materna, apesar de ser fluente em tcheco. A sua obra mais conhecida no Brasil é A Metamorfose (1915), porém registra-se como suas obras-primas, O Processo (1925), e O Castelo (1926), que só foram publicadas após a sua morte por seu amigo íntimo Max Brod.
Estamos todos processados!
Em O Processo conhecemos o personagem Josef K., um homem de 30 anos, procurador de um banco que mora em uma pensão. Certo dia ao acordar ele é surpreendido em seu quarto por dois guardas que anunciam sua detenção. K. chega a pensar que tudo aquilo é uma “brincadeira”, mas não, a coisa era séria. Os guardas levam ele até um inspetor – estranhamente instalado em um dos quartos da pensão – e este informa a K., que ele pode ir trabalhar normalmente, fazer todas as suas atividades normais, mas que estivesse ciente de seu processo judicial. Qual o motivo do processo? Você deve está se perguntando… isso os guardas não falam, o inspetor também não, pois essa é a trama do livro, temos um homem processado por um tribunal e em momento nenhum é dito a ele (e nem a nós leitores) o motivo ou o seu crime.

“Concluo isso do fato de eu ser acusado mas não encontrar em mim a menor das culpas pela qual eu possa estar sendo acusado.“
Há princípio K. não leva aquilo a sério, afirma o tempo todo para si mesmo e para os outros que é inocente. Mas com o passar do tempo ele vai se enrolando na situação toda – tribunal, juízes, cartórios, advogados e até um espancador – e já cercado, não pode evitar a decisão de correr atrás de recursos para levantar sua defesa, mas como defender-se sem saber do que se é acusado? Justamente esse é o ponto que causa uma verdadeira inquietação ao leitor que vai se envolvendo com essa sufocante situação. A história conta ainda com outros personagens interessantes como o Tio e o pintor, que agregam mais estranheza ao enredo.
O livro gera mil reflexões e pode ser interpretado de mil e uma formas, inclusive a questão do totalitarismo e a burocracia da justiça que coloca o cidadão simples em uma situação complicada, já que este último, não entende e nem dispõe de todos os recursos da lei para se defender. A complexidade dos processos judiciais, as delongas dos advogados, a calunia e suas consequências na vida de uma pessoa etc. Entretanto, para mim a reflexão mais evidente durante a leitura é o seguinte pensamento em relação à vida humana: estamos todos processados.
Na verdade todos os seres humanos tem de lidar com uma constante “culpa”. Embora a maioria viva uma vida “normal” cumprindo os seus deveres, a inegável existência de Deus e sua Lei perfeita opera um senso comum de responsabilidade moral em cada indivíduo. É como se um processo contra nós estivesse correndo por toda a nossa existência até o dia da prestação de contas. O dia que estaremos diante do Tribunal de Deus.
“Portanto, a ira de Deus é revelada do céu contra toda impiedade e injustiça dos homens que suprimem a verdade pela injustiça, pois o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou. Pois desde a criação do mundo os atributos invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua natureza divina, têm sido vistos claramente, sendo compreendidos por meio das coisas criadas, de forma que tais homens são indesculpáveis; porque, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe renderam graças, mas os seus pensamentos tornaram-se fúteis e os seus corações insensatos se obscureceram. (Rm 1:18-21)”
E como no caso do personagem, de nada adianta diante desse Tribunal o uso de clichês como: “Eu sou apenas um ser humano”, “Eu não sou perfeito” “Eu não sabia”,”Eu não fiz nada”, “Ninguém é perfeito”. Esse Tribunal, como o dessa obra, está além da nossa compreensão e não há como qualquer homem levantar a sua própria defesa.
“...pois todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus (Romanos 3:23)”
Mas a boa notícia, e aqui diferente do livro, é que não precisamos provar a nossa impossível inocência diante desse Tribunal, Jesus Cristo, O Filho de Deus, cancelou o “processo” pagando a nossa dívida.
“…e cancelou a escrita de dívida, que consistia em ordenanças, e que nos era contrária. Ele a removeu, pregando-a na cruz (Colossenses 2:14)”
Graças a Deus por Jesus Cristo! Se cremos nEle, somos salvos da condenação.
Enfim, foi uma leitura muito boa, provavelmente uma das melhores do ano. O texto é um pouco difícil, mas recompensador. A edição que eu li foi a da Editora L&PM que conta com comentários extras sobre a vida do autor, contexto da obra, trechos riscados do manuscrito original e muitas notas de rodapé, recomendo bastante.
Vale a pena mencionar também, que meu interesse pela obra surgiu após ouvir um sermão do Pr. Josemar Bessa em que ele comenta o livro e faz alusões de como a nossa geração tem se relacionado com a “culpa”. Super recomendo o vídeo do sermão,, porém contém spoleirs e inclusive o próprio final do livro, então se você ainda não leu o livro e se importa com isso não assista 😀
Livro: O Processo
Autor: Franz Kafka
Primeira publicação: 1925
Edição lida: L&PM, 2008
Páginas: 302
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★★★★★❤
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