“E se a presente fosse a última noite do mundo? […] o Retorno é totalmente imprevisível. Haverá guerras e rumores de guerras e todo o tipo de catástrofes, como sempre houve. As coisas serão, nesse sentido, normais na hora que precederá os céus se enrolarem como um pergaminho. Você não tem como adivinhar. Se você pudesse, um propósito principal para o qual foi previsto seria frustrado. E os propósitos de Deus não são tão facilmente frustrados assim.”
Já vi gente considerando este o melhor livro do autor, não sei dizer se concordo, gosto muito das coletâneas de ensaios, e O Peso da Glória também é um livro incrível, e a meu ver até mais relevante, pelo menos em sua totalidade, não cheguei a escrever sobre ele, mas recomendo, e muito, a leitura.
Nessa coletânea temos sete ensaios que vagam entre a especulação de coisas que não nos compete saber, e que não fazem diferença em nossa vida, até assuntos sérios que deveríamos refletir. Antes de falar, brevemente sobre cada um deles, vamos falar um pouco da edição. A Thomas Nelson vem fazendo um trabalho muito bom com a obra do autor, se não me engano já são onze títulos lançados (Cristianismo Puro e Simples, Cartas de um Diabo a Seu Aprendiz, Os Quatro Amores, O Peso da Gloria, A Abolição do Homem, Deus no Banco dos Réus, Sobre Histórias, Carta a Malcolm, Reflexões Cristãs, Um Experimento na Crítica Literária e o objeto dessa postagem, clicando aqui você encontra facilmente todos eles para adquirir), é inegável o cuidado que a editora está tendo, trazendo obras até então inéditas no Brasil em edições com belo acabamento gráfico e boa tradução. Mas infelizmente, como a grande maioria das editoras do país, ela tem pecado um pouco na questão da revisão do texto, esse livro teve duas pessoas revisando e encontrei palavras com acento faltando além de um erro bem gritante na página 84, onde tem uma palavra, no meio da linha cortada ao meio por um hífen sem propósito algum, mas não são incontáveis erros, a ponto de você querer mandar um e-mail para a editora perguntando se não querem que paguem a você para fazer a revisão (não maior que a vontade diária de fazer isso, pelo menos). Mas falemos agora, brevemente, sobre cada ensaio.
“O problema é que não vejo como qualquer oração real poderia continuar sob tais condições ‘Palavras sem pensamentos nunca chegam ao céu’, diz o rei em Hamlet. Simplesmente dizer orações não é orar; se assim fosse, um time de papagaios corretamente treinados serviria tão bem quanto os homens para o nosso experimento. Você não pode orar pela recuperação de enfermos a menos que o fim que tenha em vista seja a recuperação deles.” A Eficácia da Oração abre a coletânea nos desafiando a um experimento para tentar entender o nosso papel como participantes da Obra de Deus na Terra: Ele nos lembra que qualquer oração recebe resposta, mesmo que essa resposta seja não, ou simplesmente o silêncio, mostra que a verdadeira oração é desconhecida da maioria dos que dizem orar, mostrando, com outras palavras, o que Bonds disse no livro Poder Através da Oração: “A oração pública é apenas um reflexo da oração particular”. Lewis não chega a citar o livro de Bonds (pelo menos que eu me lembre), nem sei ambos os autores foram contemporâneos ou quem veio antes de quem, mas eles tem ideias bem parecidas, com as quais eu concordo. A conclusão à qual o autor chega a respeito do assunto é que a oração é para fortalecer a quem ora e Deus não precisa que oremos, mas esse é o método que Ele criou para que possamos fazer parte da obra dEle.
“Parece-nos (Embora você, em suas premissas, considere-nos iludidos) que temos algo como um conhecimento por meio da familiaridade com a Pessoa em quem cremos, por mais imperfeito e intermitente que seja tal conhecimento. Não confiamos porque ‘um Deus’ existe, mas porque este Deus existe. Ou, se não ousarmos dizer que o ‘conhecemos’, a cristandade o faz, e nós confiamos em pelo menos alguns de seus representantes da mesma maneira: por causa do tipo de pessoa que eles são.” Em Sobre a Obstinação na Crença o autor vai falar sobre a razão de acreditarmos em Deus. Assim como um médico vê um homem e diz acreditar que ele tenha sido envenenado, até examiná-lo e tirar o “acredito” da jogada, assim nós acreditamos na existência de Deus pois temos fatos pessoais que nos provam a existência dEle. Eu acredito que o computador que escrevo existe porque estou vendo ele, acredito que minha irmã existe porque conheço ela, mas não apenas acredito, eu sei que existem, e esse saber vem de experiências pessoais e conhecimento adquirido. Então nossa obstinação na crença da existência de Deus, não é porque levamos em consideração a possibilidade, mas porque temos uma certeza a respeito disso.
“Cultura é uma má qualificação da mesma forma que a santidade. Ambas são difíceis de diagnosticar e fáceis de fingir. É claro que nem todo carientocrata será um hipócrita cultural, nem todo teocrata, um Tartufo. […] ‘Lírios que apodrecem fedem muito mais que ervas daninhas.’ Quanto mais altas forem as pretensões de nossos governantes, mais intrometido e impertinente será seu governo e mais a coisa em cujo nome eles governam será corrompida. As coisas mais altas têm o mais precário ponto de apoio em nossa natureza.” Talvez Lírios que apodrecem seja, junto do primeiro e do último ensaio, um dos mais relevantes do livro. O autor vai tratar sobre não se limitar a escolher um governante com base na aparente semelhança de interesses que ele tem conosco, focando em duas coisas de mais elevado grau de importância, santidade e cultura, o autor mostra que tanto o culto como o santo se encaixam na frase de Bioy Casares “Por mais corajoso que seja, um homem não é corajoso o tempo todo” O ser humano é suscetível a falhas, e quando uma pessoa admirada pela cultura ou santidade acaba falhando ambas as coisas acabam perdendo credibilidade. Além de mostrar que a sujeira oculta é muito pior recebida quando revelada, e ela será revelada.
Essa postagem está ficando demasiadamente longa, então não vou falar sobre Maldanado propõe um brinde, texto onde o autor dá espaço para o protagonista de Cartas de um Diabo a seu Aprendiz para um discurso, nem sobre Boa Obra e Boas Obras, e sobre Religião e Foguetes direi apenas que é uma especulação muito inteligente embora desnecessária, mas com certeza vale a leitura, então pulemos diretamente para o ensaio que dá nome ao livro.
“Pois será um julgamento inevitável. Se for favorável, não teremos medo; se desfavorável, sem esperança de que esteja errado. Nós não apenas acreditaremos, nós saberemos, saberemos além de qualquer dúvida de nosso apavorado ou deleitado ser, que, como o Juiz disse, assim nós somos: nem mais, nem menos, nem outro.” A Última Noite do Mundo é um chamado a diligência, nos mostra que não é saudável ficar pensando sempre no fim, mas é irresponsabilidade não levá-lo em consideração, sabemos que ele virá, e isso deve ter peso em nossas ações e decisões, ele é inevitável e não deve ser temido, e sim aguardado.
Enfim, é um livro incrível e que vale cada página lida, mesmo o ensaio sobre a possibilidade de vida possivelmente caída e possivelmente remida por possivelmente outro método por conter possíveis regras possivelmente diferentes das estabelecidas aqui em algum possível planeta habitável. Espero não ter cansado ninguém, hehe.
*Publicado originalmente em 02/08/2019, no Hiattos.
Livro: A Última Noite do Mundo Autor: C.S.Lewis Editora: Thomas Nelson Brasil Páginas: 135 ★★★★★
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