Talvez eu ficasse assim se você morresse. Talvez chorasse desejando que houvesse tido um minuto extra. Talvez gastasse meu tempo e dinheiro entrando em contato com médiuns, lendo sobre o mundo espiritual, na esperança de encontrar você e ter a chance de lhe dizer coisas que não disse. Talvez eu olhasse duas vezes no reflexo dos espelhos e vitrines na esperança de ver seu rosto novamente. Talvez eu me deitasse na cama como agora, com os punhos cerrados com tamanha força, tentando me convencer de que você está em pé, em carne e osso, diante de mim. Mas, com toda a probabilidade, se você estivesse morta, eu não teria nenhuma chance. Não conseguiria dizer o que devia ter lhe dito todos os dias: que eu amo você.
É a primeira vez que leio um livro da Jodi Picoult que não tem um tribunal no meio, não criticando a formula da autora, mas que ela existe, existe.
Aqui vamos conhecer a história de uma família: Jane, Oliver e a filha adolescente Rebecca. Jane é a filha de um pai abusivo, e para fugir dos mais tratos deste ela sai de casa e se casa com Oliver, um oceanógrafo bem sucedido fissurado por baleias e que considera seu trabalho mais importante do que a sua família. Juntos tiveram Rebecca, que quando era uma pequena bebê e os pais brigaram, foi para o outro lado do país com a mãe. Jane e Oliver estavam em pé de guerra pela filha, entre outras coisas… Para acalmar o marido Jane coloca a filha (que se não me engano tem uns 5 anos) num avião e a manda pra casa… Mas o avião cai durante a viagem, e Rebecca é a única sobrevivente… Qual o peso disso pra história? Confesso que não muito, existe um trauma, que será revisitado, mas se toda essa coisa do avião fosse retirada da história acho que não faria lá muita diferença.
Agora, uns dez anos depois, se não me engano, Jane e Oliver brigam… De novo, em um ataque de fúria Jane estapeia o marido, o que a faz lembrar das surras que levava do pai e da briga que teve quando a filha era pequena… O que a faz entrar em contato com o irmão Joley, que vive em uma fazenda de maçãs, onde ela pretende ir se abrigar. Mas o irmão resolve fazer com que Jane faça uma viagem diferente, então combina com ela que escreverá cartas que a guiarão pelo país, revisitando lugares que, na opinião dele, ela precisa visitar. E aí começa sua jornada até chegar, enfim, na fazenda onde o irmão mora.
A autora vai dividir a voz narrativa entre os quatro personagens já mencionados, além do dono do pomar onde Joley vive. Mas essas narrativas serão bem diferentes entre si. Jane lembra muito do passado, enquanto alterna com o presente. Joley narra através das cartas que escreve para Jane, Oliver narra de uma forma opressiva, desenrolando planos mirabolantes e falando incessantemente sobre baleias. Já Rebecca começa narrando de um futuro próximo ao final da história e a cada capítulo ela retrocede, até encontrar os demais narradores.
Já conheço bem a forma da autora escrever, e gosto muito, aqui não foi diferente, é uma história muito mais simples do que as outras que já li da autora, mas ela compensa bem com essas narrativas diferentes, além de todas as subtramas que acontecem. A meu ver ela perde um pouco a mão próximo ao final, muita coisa acontece e ela acaba se perdendo um pouco.
Mas é uma história envolvente, agoniante em vários momentos e com um final um tantinho decepcionante, mas pelo conjunto da história, acredito que seja uma leitura que valha a pena.
*Publicado originalmente em 15 de outubro de 2023, no Hiattos.
As Vozes do Coração
Autora: Jodi Picoult
Editora: Verus
Páginas: 392
★★★☆☆
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