A Dádiva da Dor de Paul Brand e Philip Yancey
A Dádiva da Dor de Paul Brand e Philip Yancey

A Dádiva da Dor de Paul Brand e Philip Yancey

“Se eu tivesse de escolher entre a dor e o nada, escolheria a dor.”
(William Faulkner)

A Dádiva da Dor: por que sentimos dor e o que podemos fazer a respeito é um livro de memórias, as memórias do médico Paul Brand, escrito em parceria com “Philip Yancey”, nome que me trouxe até a essas páginas. Publicado pela primeira vez em 1982.

Quem foi Paul Brand?

Paul Wilson Brand nasceu em 1914 na Índia, seus pais Jesse Brand e Evely Brand eram missionários ingleses que serviram durante muitos anos o povo das montanhas de Kolli Malai, onde Paul Brand viveu até os nove anos de idade quando foi enviado à Inglaterra para estudar. Jovem, ele se formou em medicina e se casou com Margaret Berry em 1943. Juntos enfrentaram os anos da Segunda Guerra Mundial servindo seu país como médicos.

Depois da guerra o casal foi para Índia, se instalando em Vellore, onde Paul Brand dedicou sua vida ao atendimento de pessoas vítimas da lepra (ou hanseníase) [1] numa época em que poucos médicos tinham interesse em cuidar dessas pessoas que somavam milhões em todo mundo, com uma concentração maior nos países pobres como a Índia. Paul Brand foi o primeiro médico a descobrir e reconhecer que a lepra não causa apodrecimento dos tecidos da pele, mas sim perda da percepção da dor, tornando os portadores da doença extremamente sensíveis a lesões.

Dr. Paul Brand, ortopedista cirurgião

Memórias da dor

Eu não tinha ideia quando comecei ler A Dádiva da Dor, que estava diante de um livro de memórias. Pensando agora sobre essa experiência de leitura, creio que os autores não poderiam ter feito uma melhor escolha de narrativa para que esse livro tivesse o impacto que tem sobre o leitor.

Baseada nos livros de memórias que já li, noto que é comum nesses livros os escritores ao rememorar sua história, o fazer a partir de um foco ou tema. Exemplo disso posso citar o Pedro Nava, com o primeiro volume de suas memórias “Baú de Ossos” que tem um foco na morte; ou a Eliane Brum em seu livro “Meus desacontecimentos” que remonta sua vida a partir de sua própria história com as palavras. O foco ou o tema a partir do qual Paul Brand já na casa dos setenta anos rememora sua vida é a dor.

O livro é dividido em três partes: “Minha carreira na medicina”, “Uma carreira no sofrimento” e “Aprendendo a fazer amizade com a dor” . A partir de sua própria experiência com a dor física e emocional, como médico, Paul inicia uma jornada em busca de uma melhor compreensão do que significa a dor humana – Por que sentimos dor? Por que a dor, uma sensação física,  é tão terrível?

“Chega então a sensação predominante da dor e cada um de nós fica órfão. […] a dor é um sentimento órfão que ninguém mais pode realmente compartilhar.”

Inesperadamente, um novo caminho surge à sua frente, justamente quando ele se depara com aqueles que não sentiam dor: pacientes portadores de lepra. Por isso, a obra também é uma aula histórica e cientifica até, sobre essa doença. Em resumo, aprendemos que tais enfermos, ao longo do desenvolvimento da infecção crônica se tornam insensíveis a dor (sensação de calor, frio e toque) o que os fazem perder o instinto de auto preservação; eles literalmente se machucam de todas as formas possíveis e naturalmente parecem não se importar com isso, causando assim, as conhecidas e estigmatizadas deformidades físicas. Sobre essa descoberta Paul diz: “Era fácil pensar neles como descuidados ou irresponsáveis até que comecei a compreender o seu ponto de vista. A dor, juntamente com o seu primo, o toque, é distribuída universalmente pelo corpo, formando uma espécie de fronteira do eu. A perda de sensibilidade destrói essa fronteira, e a agora meus pacientes de lepra não mais sentiam as mãos e os pés como parte do eu […] Faltava a eles o instinto básico da autoproteção que a dor normalmente oferece.”

A partir da observação dos seus pacientes que não sentiam dor, Paul Brand afirma que a dor não é uma inimiga do ser humano como de maneira geral pensamos, a dor é uma dádiva. “A vida sem dor é perigosa demais”, e ouvir/ler isso foi muito impactante. Sem receio e já na última estação de sua vida (Paul Brand morreu em 2003) ele chega a afirmar: “Se eu tivesse nas mãos o poder de eliminar do mundo a dor física, não exerceria esse poder.[…] Graças a Deus pela dor.”

Escritor Philip Yancey

O pior momento para pensar na dor é, de fato, quando você já está sentindo seus golpes.

Como eu já disse em algum lugar nesse blog, eu tenho muita dificuldade de escrever minha opinião sobre aqueles livros que realmente me marcaram, meus favoritos, porque tenho a sensação que nunca direi algo a altura. É assim com esse livro. A Dádiva da Dor sem dúvida, é um dos melhores livros que li na minha vida. Sem exagero, é um livro que muda a gente.

Não há nada mais solitário que a dor. Seja física ou emocional, em dor somos órfãos. Pensar nesse tema, não só é uma questão de desenvolvimento pessoal, como uma preparação para a própria vida. Paul ensina muitas coisas nesse livro, inclusive, como médico ele dá muitas dicas sobre saúde. Ele explica muitos termos técnicos e aqui, uma menção honrosa para Philip Yancey que tem uma capacidade narrativa extraordinária – ele me fez ler páginas e páginas sobre medicina sem me cansar – é mesmo sensacional. Interessante também o entendimento de Paul do que seja os intensificadores da dor como o medo, raiva, culpa…; e sua crítica ao ocidente mais especificamente aos Estados Unidos e a demanda crescente de abafamento da dor com o abuso de drogas licitas e ilícitas. Porém, a lição mais importante para mim que está relacionada com a frase que escolhi para esse subtítulo, é a noção que precisamos nos preparar para dor antes que ela chegue. “A dor é sempre um evento mental ou psicológico, um truque mágico que a mente aplica intencionalmente em si mesma.” O que pensamos sobre a vida, a morte, o sofrimento, o eu, Deus, a eternidade… determinará muito sobre nossa relação com a dor. Não precisamos ser definidos pela dor, pelo contrário, quem somos definirá nossa dor. Certamente, todos conhecemos e sentiremos diferentes tipos e níveis de dor, mas ela não precisa nos destruir.  

[1] Sobre utilizar os termos “lepra” ou “hanseníase”, Paul Brand diz: “O estigma que envolve a lepra não está tão relacionado à denominação, e sim à doença em si e às concepções erradas que a cercam. Alguns países, como o Brasil, por exemplo, descobriram que dissociar o nome da doença, da palavra estigmatizada, não diminui o preconceito social. Eu prefiro modificar o estigma ensinando as pessoas sobre a realidade da doença provocada pelo organismo Mycobacterium leprae, informando que a maioria dos indíviduos tem imunidade incorporada, que a doença pode ser facilmente tratada e que, com cuidados apropriados, não ocorrem complicações mais sérias.”

Livro: A DÁDIVA DA DOR: Por que sentimos dor e o que podemos fazer a respeito (The gift of pain, 1982)
Autores: Paul Brand (1914-2003) e Philip Yancey (1949- )
Tradutor: Neyd Siqueira
Editora Mundo Cristão, 2005
Páginas: 430
★★★★★


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