Frankenstein de Mary Shelley #10

“Aprendi como a morte destrói minuciosamente o que havia sido, até há pouco, um rosto rosado e sadio. Observei como estruturas maravilhosas, que tornam o homem uma criação insuperável, degradavam-se e transformavam-se em carniça para seres minúsculos, indignos daquela complexidade.”

Frankenstein ou o Prometeu moderno foi escrito pela autora britânica Mary Shelly (1797-1851) e publicado a primeira vez em 1818 em Londres. É considerada por muitos a primeira obra de ficção científica da história e é também um clássico do romance gótico¹.

Enredo

Victor Frankenstein, um jovem suíço de boa família tem um interesse exacerbado por ciência da natureza e acaba durante um longo período de estudos em Ingolstadt na Alemanha descobrindo o segredo da vida. Ele consegue criar uma espécie de ser humano monstruoso, porém diante do sucesso de seu empreendimento, ele abandona a sua criatura fugindo desesperado, iniciando uma longa jornada rumo a muitos infortúnios.

Uma narrativa interessante

A história é apresentada em três camadas sempre em primeira pessoa. A primeira, pelas cartas escritas pelo viajante Robert Walton à irmã enquanto se aventurava em uma expedição náutica. Segunda, entra em cena Victor Frankenstein (o criador) em seu relato dramático desde sua infância até o ponto em que ele encontra o navio de Walton. E terceira, a perspectiva dos fatos da própria criatura ou monstro. Gostei muito dessa estruturação, diferente de tudo que já li até então, vamos adentrando mais fundo no romance conforme vão se revelando essas três camadas e o desfecho é feito da mesma forma, de uma camada a outra. Entretanto devo dizer que a narrativa é lenta e a linguagem é um pouco rebuscada, o suspense da história sem dúvida é o que leva o leitor ao final. Isso contando com o fato que eu não conhecia a história, não assisti nenhuma adaptação, somente me lembrava de algumas alusões em filmes e desenhos.

Prometeu moderno?

Prometeu na mitologia grega é um titã, defensor da humanidade, conhecido por sua astuta inteligência, responsável por roubar o fogo de Héstia e o dar aos mortais. Zeus (que temia que os mortais ficassem tão poderosos quanto os próprios deuses) teria então punido-o por este crime, deixando-o amarrado a uma rocha por toda a eternidade enquanto um abutre comia todo dia seu fígado – que crescia novamente no dia seguinte.²

Ética na ciência, releitura de Gênesis, exaltação da natureza

O livro retrata várias questões curiosas. Além da alusão ao mito do Prometeu na figura do Victor Frankenstein – que descobre um grande segredo capaz de “beneficiar toda a humanidade”, mas que acaba o levando à ruína – Mary Shelly gera em sua história uma importante reflexão quanto: Qual é o limite para ciência? Ou até que ponto a ciência pode chegar? Ora, não é na mesma ambição de Victor “trazer um bem maior à humanidade” [ou pelo menos é isso que dizem], que cientistas por todo mundo se dedicam à experiências sinistras brincando um pouco de ser Deus? São essas e outras as perguntas que ela deixa para o leitor já em 1818, imagina hoje diante da expectativa de experiências bizarras como clonagem humana (veja aqui) e transplante de cabeça (veja aqui)!? Outra questão é a releitura que ela faz de Gênesis em vários sentidos, dividindo certamente a opinião dos leitores. Cito por exemplo, o nascimento da criatura, ela “nasce” inocente ou pura, e conforme vai entrando em contato com o mundo e conhecendo a sociedade ela vai se corrompendo tornando-se por fim, um verdadeiro monstro, e aqui, dá-se lugar há grande falácia de Rousseau (1712-1778) que vigora até hoje na cultura ocidental: “O homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe”³. Entretanto me diga:

Se a sociedade é justamente formada por homens, como ela corrompe-os?

Não é a própria maldade humana que corrompe cada milímetro da sociedade?

Há também um toque do romantismo da época, que se retrata na exaltação da natureza. O homem é pequeno e a natureza sempre grande, sublime e majestosa; em sua fragilidade ele busca nela consolo e expressão para as suas próprias emoções. Então temos muitas descrições da natureza, bonitas, mas muito repetitivas também. O livro ainda aborda vários assuntos universais como: culpa, remorso, queda e destruição, preconceito e amizade.

O que não gostei ๏̯͡๏

Encontrei várias lacunas na história que me incomodaram um pouco. Coisas mal explicadas como por exemplo: personagem X em um momento mal sabe falar ou entender o que as pessoas estão falando e de repente está lendo três livros e guiando-se por um mapa [What?]. Ou o personagem Y está no meio do nada sem comer há vários dias, mas – opa!- ele guardou consigo um pão que pode alimentá-lo durante muito tempo… Por mais que não implicaram no desenrolar geral, quebraram o ritmo e a empatia pelo enredo.

É uma boa história, os personagens são envolventes, achei a organização da narrativa um tanto genial. Porém, esse livro não me cativou. Cheguei ao final meio “ah tá é isso”. Diferente de “O médico e o monstro” do Steverson por exemplo (uma obra do mesmo gênero de horror), em que achei a discussão proposta muito interessante e os personagens desinteressantes. Em Frankenstein, gostei dos personagens – foram bem construídos (exceto Justine – não gostei da maneira que ela foi inserida na história) – mas não simpatizei com a forma que a autora tratou as questões propostas. Em minha opinião a obra é uma ideia excelente que poderia ter sido melhor desenvolvida. Todavia, reconheço o porquê ela é um clássico lido há quase 200 anos.

¹https://pt.wikipedia.org/wiki/Frankenstein
²Mito do Prometeu: https://pt.wikipedia.org/wiki/Prometeu
³Pensamento de Rousseau: http://imagohistoria.blogspot.com.br/2012/08/rousseau-o-homem-nasce-bom-mas.html


+INFO: Livro: Frankenstein ou o Prometeu moderno | Autor: Mary Shelly | Título original Frankenstein: or Modern Prometheus, 1818 | Tradução: Adriana Lisboa | Edição lida: Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2014 | 240 páginas

Classificação: 3/5


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